Recuo respeitado, Fachada Recuada
Como um convite, o tapete de ladrilhos hidráulicos estende-se da guia ao interior da loja, onde conjuntamente com o jardim lateral que penetra e interliga todos os ambientes, internos e externos, e seu banco pleno sob a larga vitrine, integra o interior e exterior, privado e público, edifício e cidade. O restante do piso externo é constituído por paralelepípedos, cujo pavimento além de permitir a permeabilidade do solo evoca a imagem de uma antiga rua, desde a guia até junto da vitrine, reforçando o caráter urbano respeitoso com o seu entorno imediato, com o bairro.
A fim de manter a até então casa geminada integrada à vizinhança, as intervenções na fachada do seu volume foram comedidas, restringindo-se à alteração das aberturas e a instalação de uma chamativa marquise metálica azul que emoldura a vitrine, reforçando a importância do térreo e sua amena relação com seus vizinhos. Sem portões toda a frente se propõe, embora pequena devido às limitações, em ser uma praça de uso público.
Organização espacial: Clareza da leitura
A loja é organizada a partir das suas duas divisas longitudinais: à esquerda a parede é totalmente coberta pelas estantes de produtos, constituída por marcenaria executada em compensado naval ebanizado; à direita segue a parede revestida por ladrilhos hidráulicos facetados, do início até o final da loja, de modo a unificar, com a ajuda conjunta do jardim que o acompanha, todos os ambientes da loja.
O tratamento uniforme dado a cada uma das laterais da área interna da loja organiza claramente o espaço, convidando o cliente a circular por toda a sua extensão com conforto.
Organização espacial: Planta
Comum em edificações de natureza residencial, a compartimentação do térreo se mostrou incompatível com o novo uso que viria a abrigar, portanto praticamente todas as paredes desse pavimento foram removidas, sendo substituídas por estruturas metálicas que passaram a apoiar o pavimento superior da edificação. Essa intervenção drástica no térreo possibilitou uma organização da planta que maximiza a amplitude dos espaços e circulações, reforçando o convívio e as interações entre os ambientes, e estes com o exterior, unificando desse modo todo o térreo.
A organização interna pode ser setorizada em três áreas principais: Exposição geral, junto à entrada; Frios e Degustação no setor intermediário e; Vinhos Especiais no setor mais interno do conjunto. Havendo sempre uma área de convívio em cada um destes: o extenso banco interno junto à vitrine, os bancos junto a grande bancada de degustação e as poltronas no setor de vinhos especiais.
Ambientes
Fruto da organização da planta que setoriza as funções da loja, o cliente segue da calçada até o fundo de maneira natural. Ao seu lado direito, o jardim, à esquerda junto a parede, a loja, formada por uma extensa área para exposição de produtos, intermediados pela confortável área de circulação, onde caminha-se sempre ao lado de uma área “externa”. A presença dos produtos nunca é onipresente, o jardim, sua parede de ladrilhos e a transparência quase total dos ambientes formam o contrapeso que confere delicadeza e equilíbrio ao conjunto.
No setor de Exposição Geral a loja conta com uma ampla recepção sobre o “tapete” de ladrilhos hidráulicos e seu jardim que interpenetra de fora a dentro, onde uma grande lousa que ao mesmo tempo anuncia a loja resguarda aqueles que na bancada se encontram. O banco junto à vitrine – replicado pelo lado de fora para propiciar o uso do recuo frontal como uma praça, sugere que a permanência pode ser longa e prazerosa.
Segue-se o setor de Frios e Degustação, ambiente onde uma longa mesa em granito preto foi instalada para amparar a degustação de produtos. Esse ambiente amplia-se até a sua divisa e fica ao ar livre, contando para tanto com o jardim de pedriscos, onde é possível sentar-se ao redor da mesa, tanto pelo lado de dentro como de “fora” da loja, desfrutando assim da grande iluminação e ventilação naturais, onde pouco se percebe a sutil compartimentação por vidros temperados.
Ao final, no setor de Vinhos Especiais, onde a circulação tem menor demanda, situa-se o ambiente onde se concentram os vinhos e os charutos, configurando uma sala de estar. Parcialmente sob um denso porém leve pergolado de madeira que filtra a luz natural proveniente da cobertura translúcida pré-existente entre a edícula e o corpo principal da edificação, e margeado pelo jardim que desde a calçada se originou, encerra-se a área de exposições em uma ambientação intimista, a fim de proporcionar maior tranquilidade àqueles que permanecerão por mais tempo apreciando os rótulos das garrafas.
No piso superior encontram-se a administração, um depósito, um sanitário e, transparente à circulação, uma ampla sala de aula em que a grande bancada de pedra branca configura todo o espaço e acomoda tanto os 10 alunos como o professor, junto ao fogão. Assim como no térreo, todo o piso de madeira foi preservado e recuperado e o teto teve o revestimento descascado deixando a mostra o seu concreto aparente. A estrutura metálica suporta a carga da laje e do telhado, outrora apoiados nas alvenarias.
Aproveiamento
O aproveitamento dos elementos existentes é característica chave no projeto, como: intervenção comedida na fachada, manutenção dos jardins laterais existentes no recuo frontal com aproveitamento das plantas; preservação e complemento dos pisos de madeira existentes; retirada do revestimento do teto e tratamento da laje maciça deixando-a aparente; adaptação da edícula.
Na busca de uma postura sustentável, no qual priorizou-se a iluminação e ventilação naturais, o aproveitamento dos elementos existentes e a redução dos materiais a serem utilizados, como na marcenaria apenas tingida, proporcionou-se soluções de baixo impacto e redução de custos de execução, utilizando o mínimo de materiais para atingir os objetivos ora demandados.
Marcenaria
A regularidade da negra estante de marcenaria que se estende do início ao final da loja é que permite sua enorme flexibilidade, pois em seus nichos nada é fixo, há berços gaiolas removíveis para vinhos, prateleiras escamoteáveis e cubos removíveis com uma paleta de cores elaborada para destacar produtos e amenizar a regularidade da estante, para tanto contando também com as lousas espalhadas por seu perímetro, fazendo as vezes de portas. Essa flexibilização dos elementos que compõem toda a exposição garante que a arquitetura se mantenha perene sem sacrificar as constantes modificações pelas quais as lojas necessitam sofrer periodicamente.
FICHA TÉCNICA
Projeto de Arquitetura: ODVO e mínima
Arquitetos: Omar Dalank, Victor Castro e Carol Kaphan Zullo
Colaboradores: Fellipe Nascimento, Marcell Alencar, Marilú Olív e Gabrieli Azevedo
Projeto de Luminotécnica: Acenda
Projeto de Paisagismo: Mera Arquitetura Paisagística
Fotografia: Pregnolato e Kusuki estúdio Fotográfico
Local: Campo Belo, São Paulo – SP
Data do Projeto: Maio, 2011
Data da Construção: Abril, 2012